segunda-feira, 5 de novembro de 2012

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Tribunal. O Morro do Estado, onde o jogador de futebol Maurício Alves de Carvalho foi morto há dois meses, é uma das comunidades mais citadas sobre a ação de traficantes contra moradores e sobre a presença de criminosos do Rio
Foto: Bia Guedes
Ainda nos primeiros degraus da escadaria que dá acesso à Favela Vila Ipiranga, no Fonseca, a dona de casa Helena (nome fictício), de 46 anos, foi “aconselhada” por um jovem, com um radiotransmissor na mão, a procurar outra casa para morar, já que o sobrinho — integrante da facção rival à que controla o tráfico de drogas no local — não era mais bem-vindo na comunidade.
— Ele disse que era um conselho, que eu não estava sendo expulsa, mas preferi não arriscar — contou.
Casos como o de Helena, ocorrido em fevereiro deste ano, engrossam a estatística de uma violência, muitas vezes, silenciosa: pelo menos uma informação sobre crimes praticados por traficantes contra moradores de comunidades de Niterói é encaminhada diariamente ao Disque-Denúncia. De janeiro a setembro deste ano, 300 informações sobre ameaças, agressões, expulsões e até mesmo execuções feitas por esses criminosos — nos chamados tribunais do tráfico — foram encaminhadas à entidade.
Entre as comunidades mais citadas nas denúncias estão as favelas Nova Brasília e Vila Ipiranga, na Engenhoca e no Fonseca, respectivamente; o Morro do Preventório, em Charitas; os morros do Estado e da Chácara, no Centro; e a Favela da Grota, em São Francisco. Curiosamente, essas regiões são as mais citadas no que diz respeito à presença de traficantes que migraram do Rio após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas cariocas, com 62 informações recebidas desde o início do ano.
Mãe de jogador aguarda justiça
Entre os crimes mais cruéis cometidos pelos traficantes estão os chamados tribunais do tráfico, nos quais sentenças de morte são decretadas e executadas de acordo com leis impostas pelo medo. Em agosto, o jogador de futebol Maurício Alves de Carvalho, de 21 anos, foi submetido ao júri dos traficantes do Morro do Estado, condenado e morto. A polícia suspeita que ele foi assassinado por morar em uma comunidade cujo tráfico de drogas é controlado por um grupo rival ao que age no Morro do Estado.
— Casos como o do meu filho acontecem aos montes por aí. A Justiça, infelizmente, não foi feita para os pobres. Na verdade, só serviu para condená-lo. Mas eu não vou me calar enquanto quem fez isso com ele não for preso — diz, indignada, a dona de casa Martha Domingos, mãe do atleta.
Também no Centro, na Rua Desembargador Athayde Parreiras, próximo aos hospitais Antonio Pedro e Carlos Tortelly, traficantes expulsaram taxistas de um antigo ponto da via e a transformaram em local de venda de drogas.
— É a ausência total do Estado. Roubos e venda de drogas estão sendo feitos em plena luz do dia — disse um morador, que preferiu não se identificar.
50% das denúncias são sobre venda de drogas
Ainda de acordo com levantamento do Disque-Denúncia, o tráfico de drogas corresponde a aproximadamente 50% das informações de crimes praticados em Niterói, com 2.436 denúncias só este ano — uma média de 270 por mês.
Em São Gonçalo, essa realidade não é diferente. As queixas de moradores sobre a chamada “lei do silêncio” — imposta pelos criminosos por meio da violência — chegou a 500 nesse mesmo período.
A central da entidade recebeu 10.417 informações sobre ocorrências criminosas praticadas em São Gonçalo, mais da metade delas relacionadas à venda de drogas. Os bairros mais citados são: Itaúna, Tribobó, Porto do Rosa, Arsenal e Neves.
Parceria eleva resultados
Desde a onda de violência que atingiu Niterói, em abril deste ano, policiais do 12º BPM (Niterói) e o Disque-Denúncia firmaram uma parceria que elevou a participação dos moradores no combate à criminalidade no município. Em relação a 2011, o volume de informações recebidas por ambos os órgãos aumentou aproximadamente 5% este ano, assim como as soluções dos casos. De acordo com o Disque-Denúncia, este resultado foi obtido a partir da distribuição de 12 mil panfletos, feita por policiais militares, à população que transita nas Barcas, nos terminais rodoviários e no pedágio da Ponte Rio-Niterói.
A distribuição também foi realizada por policiais do Grupo Tático Aéreo, que lançaram os panfletos nas favelas Nova Brasília e Vila Ipiranga. No papel, há os números dos telefones do Disque- Denúncia e do 12º BPM, além do e-mail do batalhão. Segundo o comandante do batalhão, coronel Wolney Dias, o anonimato do denunciante é garantido.
— A identidade da pessoa é mantida em sigilo. Com esta parceria, conseguimos trabalhar de uma forma mais dinâmica e com resultados mais rápidos — disse o oficial.

Combate ao crack precisa de repressão e prevenção para ser efetivo

  • O combate ao uso do crack deve mesclar ações repressivas e preventivas para apresentar melhores resultados. Embora envolva tráfico de drogas, o problema precisa ser visto pelo prisma da saúde pública, disse a socióloga Juliana Barroso, subsecretária de Educação, Valorização e Prevenção da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio (Seseg).

    Uma das chaves para solucionar a questão da dependência química do crack, droga barata e de rápida adicção, é o treinamento dos agentes de segurança para atuar nas chamadas cracolândias. Para garantir esse objetivo, a Seseg iniciou no último dia 16 o Programa Crack, É Possível Vencer, que vai qualificar 200 policiais civis e militares e guardas municipais. Durante um mês, serão abordados assuntos sobre policiamento comunitário, redes de atenção e formas corretas de abordagem.

    — O objetivo é ensinar a lidar com esses espaços onde há o uso do crack. Isso não é um problema [unicamente] de segurança pública, é mais ligado à saúde. É preciso saber como fazer uma abordagem adequada ao usuário e também desenvolver a prevenção.

    Entre as iniciativas já consolidadas no campo da prevenção, ela destacou o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), desenvolvido pela Polícia Militar e direcionado a crianças e adolescentes que cursam o ensino fundamental, e o Papo de Responsa, sob responsabilidade da Polícia Civil, que visa principalmente a adolescentes e jovens, incluindo universitários.

    — Temos que dialogar com essas pessoas, chamar a atenção para os danos que o uso das drogas pode causar. A gente nunca trabalha sob a perspectiva de que é ilegal ou imoral. Se fossemos com esse diálogo para uma criança ou um adolescente, aquilo que é proibido pode acender maior curiosidade sobre as drogas.

    Segundo ela, os balanços existentes indicam que a quase totalidade das crianças que já passaram pelo Proerd não tiveram contato com as drogas. O programa dura seis semanas, com a presença de um policial fardado em sala de aula, que conversa abertamente sobre os problemas provenientes do uso de drogas. Também são promovidos encontros com os pais dos alunos, sob a perspectiva da responsabilização.

    — Durante os últimos 30 anos, se investiu muito na repressão e não se teve resultado que desse uma virada na área de segurança pública. Agora, estamos trilhando outro caminho, que utiliza a repressão mas também a prevenção. É mais demorado, os resultados vão surgir além deste governo, mas é o caminho que dá resultado comprovado.

    Outro aspecto importante levantado pela socióloga é a integração entre os três níveis de governo — municipal, estadual e federal. O Programa Crack, É Possível Vencer é uma iniciativa do governo federal, mas a execução local é do governo do estado. E ambos precisam de ações de apoio da prefeitura, principalmente no acolhimento aos usuários da droga.

    — A gente conseguiu avançar muito em nossa política de segurança pública graças a esse alinhamento, que é essencial para atingir os resultados.

      Fonte: R7